“O Bangu Atlético Clube é forte e vive dentro de cada um de nós. Sua sublime história e o seu caráter pioneiro continuam vibrando intensamente em cada coração banguense” (Luiz A. Vila Flor)

quarta-feira, 18 de abril de 2018

O Futebol Brasileiro precisa reconhecer definitivamente um fato histórico

Há cerca de 123 anos, no dia 14 de abril de 1895, Charles Miller organizou, o que se convencionou chamar de "a primeira partida de futebol no Brasil". Mas existem diversos detalhes e registros históricos que precisam ser pesquisados, para que uma grande injustiça seja reparada. Vamos aos fatos.

Não existe registro documental de que a partida de futebol realizada na Várzea do Carmo, em são Paulo, entre funcionários da companhia de Gás e da Estrada de Ferro São Paulo Railway, foi efetivada dentro das regras em prática na Inglaterra e trazidas ao Brasil por Charies Miller.

As palavras do próprio Miller, 57 anos depois, em uma entrevista à revista O Cruzeiro demonstra o quanto de improvisatório houve no evento que ele promoveu, naquele distante quatorze de abril.

 "Numa tarde fria de outono em 1895, reuni os amigos e convidei-os a disputarem uma partida de football. Aquele nome, por si só, era novidade, já que naquela época somente conheciam o críquete.

- Como é esse jogo? - Perguntam uns.
- Com que bola vamos jogar? - Indagavam outros.
- Eu tenho a bola. O que é preciso é enchê-la.
- Encher com o quê - Perguntavam.
- Com ar.
- Então vá buscar que eu encho!”

Foram essas algumas das palavras de Charles Miller à revista.

Mas, mesmo que naquele “match” as regras inglesas tenham imperado e as equipes tenham se apresentado completas, com seus "elevens", em nada fica diminuído o fato histórico que teve como palco a cidade do Rio de Janeiro, mas precisamente o bairro de Bangu.

Um ano antes do paulista, em abril de 1894, a esposa do escocês Thomas Donohoe, técnico industrial da Fábrica de Tecidas Bangu, retornado de uma viagem à Inglaterra de onde trouxera uma bola de futebol, bomba de ar, bico para enchimento e alguns pares de chuteira, convocou seus colegas de trabalho, principalmente os que haviam jogado com ele no Southampton Football Club para uma partida de futebol.


O “match” foi jogado em um campo improvisado (não há registros das dimensões) ao lado do terreno ocupado pela fábrica e cada equipe contou apenas com 5 jogadores. 0 escocês estava tão exultante em poder voltar a jogar futebol e mostrar aos nacionais como era fascinante praticar aquele esporte, que não se preocupou com detalhes como uniformes, duração da partida, registro dos nomes dos participantes e dos gols assinalados. Na realidade o que aconteceu foi o que chamamos hoje de “pelada entre amigos”. Mas a semente estava plantada e fecundaria.

Muito pouco tempo depois, graças ao interesse despertado, já estavam sendo disputados logos obedecendo à regra criada pelos ingleses e uma discreta plateia já freqüentava o “Field” para assistir o novo e excitante esporte.

Além da mais manifesta, a paixão pelo futebol, existiram outras coincidências nas vidas de Thomas Donohoe e Charles Miller. O primeiro era escocês e o segundo, filho de um escocês. Thomas trabalhou em Southampton, na Platt Brothers and Co. e Charles saiu do Brasil para estudar nesta cidade, na Bannister Court School. Provavelmente cruzaram os bigodes em uma ou outra partida de futebol lá pelo sul da Inglaterra.
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Charles Miller, em abril de 1895, organizou um partida de futebol no centro da rica cidade de São Paulo; é provável que tenha se preocupado com o cumprimento da regra inglesa, com registros e outros detalhes. Thomas Donohoe, em abril de 1894 (um ano antes de Miller) também organizou uma partida de futebol, só que no distante bairro de Bangu, no Rio de Janeiro, e não se preocupou muito com os detalhes.

É irrefragável que os aspectos conjunturais que envolveram o evento promovido por Charles Miller influenciaram decididamente na formação do fato histórico. Não obstante, existe o fator cronológico que favorece Donohoe.

Além do exposto há outro fato histórico, este sim reconhecido de grande importância, tanto sociológica quanto antropológica, na inserção do operariado carioca, ainda que timidamente, em atividades sociais na cidade: Aquele jogo de bola promovido por Thomas Donohoe no longínquo abril de 1894, foi o embrião do primeiro clube de futebol proletário do país, o Bangu Atlético Clube, fundado 10 anos depois, em 17 de abril de 1904.

 Em tempos mais modernos o alvirrubro da Zona Oeste carioca sofria uma injustiça, de mesmo caráter da que que é vítima o escocês Donohoe. O Clube de Regatas Vasco da Gama, lídimo e tradicional representante da colônia portuguesa no Rio de Janeiro, se arvorava em auto proclamar-se pioneiro na inclusão de atletas negros no futebol carioca, logo esse clube, que sempre foi administrado por portugueses ou seus descendentes e tendo-os como grande expressão na mais seleta camada do seu quadro de sócios. Foram esses mesmos portugueses que em seus estabelecimentos comerciais exploravam os negros, impondo-lhes um regime de trabalho tanto mal remunerado quanto estafante e negando-lhes quaisquer oportunidades de ascensão social; estranho paradoxo esse.

Pois esses senhores e seus descendentes diretos achavam-se no direito de requerer para o seu Clube algo que não lhes cabia, senão vejamos: O Clube de Regatas Vasco da Gama, fundado somente em 1923, pretendia a honra de ser o primeiro clube de futebol do Rio de Janeiro a escalar jogadores negros, quando o Bangu Atlético Clube, fundado em 17 de abril de 1904, já no dia 14 de maio de 1905, colocava em campo para uma partida amistosa contra o Fluminense Futebol Clube o negro Francisco Carregal e no ano seguinte, no campeonato carioca, o clube proletário escalava mais um negro em sua equipe, o goleiro Manoel Maia. A forma carinhosa como o clube é conhecido - Mulatinhos Rosados - não deixa dúvidas sobre esse Pioneirismo.

A mesma cronologia que favorece Thomas Donohoe, favoreceu o clube que fundou, porém nesse caso já existia uma farta documentação que podia desmentir as alegações vascaínas. Assim, em 20 de novembro de 2001, após uma minuciosa pesquisa feita peio deputado Noel de Carvalho, onde foram reunidos documentos inquestionáveis, a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, concedeu a Medalha Tiradentes ao Bangu Atlético Clube "pelo destemor e pioneirismo na luta contra os preconceitos discriminatórios ao atleta negro". Assim foi restabelecida uma verdade histórica.

Das mesma forma que a ALERJ reparou uma incorreção que maculava a própria história do Rio de Janeiro, o Congresso Nacional poderia, e não é muito custoso fazê-lo, reparar o erro histórico sobre quem é verdadeiro "pai'' do futebol brasileiro.

Fontes: BANGU. NET (livro "Almanaque do Bangu" e livro "Nós é que somos Banguenses", ambos do historiador Carlos Molinari) 

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